Do tempo das cartas ao tempo do “visualizado e não respondido”

Como a ansiedade e a pressa vêm moldando nossas relações

Você se lembra da última vez que escreveu — ou recebeu — uma carta de papel? Talvez tenha sido uma carta de amor na adolescência. Ou uma cartinha enviada por um amigo que viajou. Quem sabe aquela escrita com capricho para a mãe no Dia das Mães, com desenhos em volta e letras tortas.

Houve um tempo em que escrever uma carta era um gesto de conexão profunda. A gente sabia que, ao colocá-la no correio, começava ali uma espera silenciosa. A resposta não viria em instantes. E tudo bem.

Hoje, vivemos a era dos segundos. As mensagens chegam antes mesmo de nossos pensamentos se organizarem. E, ainda assim, muitas vezes sofremos: ele viu e não respondeu. Ela está online, mas não mandou um “oi”. Estamos cercados de conexões imediatas — e, paradoxalmente, cada vez mais desconectados.

No tempo das cartas, a comunicação era um verdadeiro ritual. Escolhia-se o papel, a caneta. Reescrevia-se a mesma frase até que ela dissesse exatamente o que se queria dizer. Havia afeto no processo. O envelope carregava o cheiro da casa, às vezes um toque de perfume, uma lágrima secada no canto da folha. Era quase como enviar um pedaço de si.

A carta exigia tempo — e oferecia tempo também. Era um diálogo com pausas, como uma boa conversa entre amigos no fim da tarde. Quem respondia, fazia isso com a alma. E quem esperava, fazia isso com o coração em aberto.

Hoje, as palavras pulam na tela. Notificações, áudios, emojis, “visto às 15h21”. Vivemos na lógica do agora: se a resposta não vem em segundos, algo está errado. E nasce a ansiedade. A dúvida. O julgamento: “Se está online, por que não responde?”. Uma frase que talvez seja o maior gatilho de conflitos modernos.

Criamos a ilusão de que a presença digital é presença afetiva. Mas não é. Estar disponível não é estar presente. Existe uma nova forma de solidão: a imprivacidade, esse estado de estar sempre acessível e, paradoxalmente, emocionalmente distante. Quantas relações estremecem por causa de uma bolinha azul no WhatsApp?

Responder rápido virou prova de interesse. E se a pessoa demora? Já não nos basta a explicação: supomos desinteresse, frieza, abandono. O excesso de informação nos rouba o silêncio. A avalanche de estímulos nos impede de escutar com profundidade, de esperar com paciência, de compreender o tempo do outro.

Esquecemos que o afeto também tem ritmos. Que nem todo mundo está pronto para falar na hora que a notificação chega. Que nem toda ausência é descaso. Estamos esquecendo de dar tempo às relações — e também tempo ao outro.

E se voltássemos, ao menos simbolicamente, ao tempo das cartas? Talvez a gente ganhasse mais escuta. Mais presença. Menos reações automáticas e mais respostas conscientes. Talvez a ansiedade desse lugar à confiança. E a pressa cedesse espaço à consideração.

Porque nem todo “visto e não respondido” é rejeição. Às vezes é só o outro vivendo o seu tempo.

Será que não estamos confundindo presença com conexão?

Sobre o autor:

Dr. Jairo de Paula é Psicanalista, escritor e autor de 34 livros, incluindo os best-sellers “Uma Marca Chamada VOCÊ” e “INCLUSÃO – mais do que um desafio escolar, um desafio SOCIAL”. Com mais de 10.000 atendimentos clínicos, é também professor e conferencista internacional, doutor e mestre em Psicanálise, com especializações em diversas áreas. Pesquisador em Gestão do Capital Intelectual e criador de programas de integração “FAMÍLIA & ESCOLA”, Jairo é apaixonado por compartilhar conhecimento, fundamentalmente feliz